sexta-feira, 30 de março de 2007


Second life: ditadura e desastre ambiental. Universo virtual é um software-como-serviço totalmente controlado por uma empresa privada que faz o que bem entende com seus habitantes. Ainda por cima, gasta tanta energia por avatar quanto o Brasil por habitante.Second Life é o mundo virtual mais interessante que há por aí e muito tem se falado dele nos últimos tempos. como no portal G1 que, a exemplo, da Reuters, tem uma sucursal por lá. A novidade tem gerado discussões importantes sobre o futuro da vida na e com a internet, e foi tratada nesta coluna quando sofreu um ataque de vírus que acabou “derrubando” o mundo inteiro. Até aí, tudo bem. Mas há pelo menos um lado negro em Second Life. Ou dois.O maior sucesso entre os mundos virtuais tem suas virtudes e problemas. O maior deles, além de coisas simples que deveriam funcionar (ou não) no software que implementa o lugar, é Second Life ser “governado” por um ditador benevolente ou, segundo um número cada vez maior de habitantes, pela ditadura de seus “donos”, o Linden Lab. Second Life é um serviço implementado por software, disponível em um endereço internet, a usuários que “aceitem” suas regras de uso, que se tornam na prática a constituição a que estão sujeitos seus habitantes.Ditaduras normalmente promovem quem não as incomoda e de quebra servem de meio ou apoio a seus propósitos. E perseguem implacavelmente quem as questiona, como os habitantes de Second Life que têm sofrido restrições nos seus direitos básicos (como o de expressão livre). Tal é o caso de Prokofy Neva, que foi banido do blog oficial do Second Life depois de ter sofrido outras restrições, em função de suas críticas aos donos e governantes e a habitantes que puxam vocês-sabem-o-que dos mesmos. Neva está sendo escolhido para punição exemplar na mais antiga tradição dos governos acharem um exemplo para amedrontar o populacho, o que na maioria das vezes dá resultado no curto prazo mas é uma tragédia no longo.Isso leva a uma oportunidade: porque não escrever -- e prover como serviço -- um mundo virtual aberto? Cujo software seja aberto, para o qual as regras do mundo correspondente sejam democraticamente escolhidas e administradas? Esta pode não ser uma coisa periférica para nosso mundo real. Por quê? Um número cada vez maior de regras e operações da sociedade está sendo codificado em software e sendo provido como serviço. É isso que o Linden Lab faz com Second Life: é um serviço de informação, codificado em software, provido por uma empresa privada que usa, para tal, as regras que quer e bem entende. Larry Lessig tem um excelente texto sobre as possíveis conseqüências deste tipo de coisa, em larga escala, na sociedade.Pode muito bem ser que determinados “serviços de software” do mundo real (como Second Life) decidam que alguns usuários não devam ter todos os direitos dos outros. Que alternativa terão eles se não houver outros provedores, de preferência abertos, regulados por constituições definidas pela sociedade como um todo e sem uma polícia informacional?Temos que prestar mais atenção no que está acontecendo em lugares como Second Life. Porque o que acontece por lá pode vir a rolar, em escala muito maior, num pedaço do mundo real bem próximo do nosso par login/senha. Esta ameaça, claro, é uma grande oportunidade para que nos organizemos para criar nossos próprios (mundos, movidos a) software-como-serviço, abertos e verdadeiramente democráticos. Seria um exemplo de como uma ameaça lá no Second Life vira uma oportunidade do lado de cá da telinha.O outro lado potencialmente negro do Second Life, que também deveria ser discutido no mundo real, é o gasto de energia do ambiente. Fazendo a conta em energia elétrica, Second Life é tão caro, per capita, quanto o Brasil. Em uma troca recente de opiniões sobre o assunto, Nicholas Carr começou a responder uma pergunta de Tony Walsh sobre a sustentabilidade de Second Life como modelo de negócios e do ponto de vista ecológico. Na linha negócios, há prós e contras, pensados e escritos por muita gente boa. Na vertente ecológica, Carr fez uma contabilidade energética básica e descobriu que o consumo anual de energia de um avatar do Second Life (1.752kWh, se ficar no ar o ano inteiro) é mais ou menos o mesmo de um brasileiro médio, que fica hoje em 1.884kWh. O site tem 4.000 servidores, mais as máquinas dos usuários. Olhando em termos de aquecimento global, o consumo equivalente em CO2, por avatar, é 1.170kg/ano. O número é surpreendente, porque grande. Se for por aí mesmo, os mundos virtuais (e não só Second Life) terão dificuldade para se sustentar no mundo real. Até porque sua conta de energia pode torná-los ecologicamente inviáveis e, por conseqüência, como modelo de negócios.Voltando para o começo do artigo, talvez faça sentido juntar as duas discussões: estamos cada vez mais informatizados, por sistemas que usam regras às quais nos submetemos sem saber de todas as suas implicações. Você sabe quais são as “leis eletrônicas” do seu banco? O meu“não se responsabiliza por quaisquer danos, perdas ou despesas oriundas da conexão, demora na transmissão de dados, falhas de desempenho, falhas de equipamentos, vírus e quaisquer outros danos decorrentes da utilização inadequada dos Canais Eletrônicos”. Aí está escrito que falhas ou problemas de desempenho nos equipamentos deles se tornam problema meu, se eu não conseguir pagar minhas contas.Ainda mais, quanto meu banco gasta de energia pra tocar seus sistemas de informação? E o governo, os supermercados? De que adianta ter meu cheque em papel reciclado, e propaganda disso na TV, se lá no data center estão contribuindo -- e muito -- para o aquecimento global? Google, que tem um uso estimado de energia entre 20 e 30 megawatt/hora, está muito preocupado com o problema, está instalando 10 megawatt de energia verde para sair da lista negra dos ecologistas (e de todos nós). Talvez devêssemos olhar para os serviços informatizados ao redor e perguntar, sempre, quais são suas regras de uso e seu gasto de energia, seu custo ambiental. E pressionar para que as regras sejam decentes e o ambiente, sustentado, pois, mais cedo do que tarde, quase toda nossa vida estará informatizada.

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