terça-feira, 10 de abril de 2007

O vício do novo século
Com a inclusão digital, cada vez mais pessoas – principalmente
O engenheiro de computação Rogério, de 28 anos, tem um diário na internet. Mas ele não faz piadas com as notícias, não dá dicas culturais nem comenta jogos de futebol. No diário, Rogério se confessa um viciado em jogos eletrônicos e conta sua luta para largar a dependência. Em um dos textos do site http://www.vicioemjogos.blogspot.com, ele relata uma recaída. "Não me segurei mais que alguns dias após o último post (texto publicado no site). Entrei em sites de jogos rápidos e baixei alguns. Não me lembro se passei duas, quatro ou seis horas jogando, ou se joguei um, dois ou três dias nas semanas seguintes. Mas voltei a jogar, e uma vez que você volta, uma vez que você entra de novo no universo da satisfação imediata, você pára de pensar racionalmente."
Assim como os demais personagens desta reportagem, Rogério falou a ÉPOCA sob a condição de que sua identidade verdadeira não aparecesse, e por isso teve o nome trocado. Sua doença já é considerada por especialistas em psiquiatria como a provável epidemia do novo século. Com a difusão do acesso ao computador, cada vez mais pessoas se tornam dependentes de jogos eletrônicos e da internet. "Daqui a alguns anos teremos um verdadeiro surto de viciados em computador. Ninguém se deu conta da gravidade da situação", afirma o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do projeto Dependentes de Internet, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Trata-se de um fenômeno recente e difícil de quantificar. Segundo os especialistas, o número de pessoas atingidas pode ser bem maior que se imagina. O Brasil tem cerca de 4 milhões de usuários da internet. "A comunidade médica internacional estima que 10% das pessoas com acesso à internet desenvolvam essa dependência. O Brasil já pode ter aproximadamente 400 mil viciados", diz Nabuco.
Nos Estados Unidos, o fenômeno vem sendo estudado de forma intensa. Para a psicóloga Marissa Hercht Orzack, coordenadora do Centro de Viciados em Computador da Universidade Harvard, trata-se de um vício como todos os outros. "A pessoa não dorme, não se alimenta, abandona os amigos. Não tem vida, deixa de lado até a higiene pessoal", afirma Marissa. "Trato pessoas que ficam mais de 30 horas seguidas praticamente sem sair da cadeira." A Universidade Yale, nos EUA, realizou pesquisa com 607 adolescentes e constatou que apenas 6% deles não jogavam em computadores. Cerca de 8% dos adolescentes entrevistados possuíam problemas relacionados aos jogos.
O organismo de um viciado em jogos de computador reage de maneira parecida ao de um viciado em drogas como crack ou cocaína. Quando a pessoa está jogando, seu cérebro libera uma substância chamada dopamina, que causa sensação de prazer e euforia. Isso faz o viciado querer passar todo o tempo jogando. "Enquanto no organismo do viciado em drogas a dopamina é liberada por um estímulo químico, no viciado em jogos de computador ela é liberada por causa de um comportamento repetitivo", diz o psiquiatra Daniel Spritzer, da Universidade do Rio Grande do Sul. Durante o tratamento para largar o vício, é comum o viciado sofrer com crises de abstinência ou ter recaídas. A dependência pode levar a casos extremos. Em 2005, sete pessoas morreram na Coréia vítimas de exaustão e ataque cardíaco enquanto jogavam.
Terapia e antidepressivos O diagnóstico da doença é difícil. Muitos pais se sentem confortáveis em saber que o filho passa horas em frente ao computador em vez de sair para as ruas e se expor à violência das grandes cidades brasileiras. "Alguns reclamam do tempo que os filhos ficam no computador, mas não vêem isso como um problema que necessite de tratamento", diz a psicóloga Elizabeth Carneiro, da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. O problema também atinge adultos, e muitos têm vergonha de admitir. No início do ano passado, o psicólogo Cristiano Nabuco atendeu em seu consultório um empresário que dizia estar com depressão. Após algumas consultas, Nabuco descobriu que seu paciente era, na verdade, viciado em jogos eróticos. "Ele passa o dia participando de um jogo em que as pessoas criam personagens que têm como meta arrumar um parceiro para fazer sexo virtual", diz Nabuco. De acordo com o psicólogo, seu paciente vai então para casa, espera a esposa dormir e passa a noite diante do computador. Sua vida pessoal e profissional, segundo o especialista, está desmoronando.
"Os pais não devem usar a internet como babá eletrônica", diz Kimberly Young, psicóloga da Universidade de Pittsburgh
O tratamento de viciados em jogos é semelhante ao de dependentes de drogas. Baseia-se em terapia e em palestras preventivas e de motivação. Alguns pacientes tomam medicamentos antidepressivos. Isso porque, de acordo com a psicóloga americana Kimberly Young, da Universidade de Pittsburgh, pessoas que sofrem com depressão ou transtornos compulsivos têm maior tendência ao vício. "Quanto mais a pessoa estiver deprimida, mais ela poderá se envolver na rede on-line", diz Kimberly. É o caso de Rodrigo, de 15 anos. Ele teve de abandonar os estudos no ano passado para se tratar do vício em jogos de computador. "O Rodrigo chegou a pegar dinheiro escondido do pai e até da empregada para poder jogar em lan houses", afirma a mãe, Rosa. Para suportar a síndrome de abstinência, ele passou a tomar antidepressivos.
Os primeiros centros de tratamento começam a surgir no Brasil. A Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro, montou um grupo de terapia. O grupo Jogadores Anônimos, entidade que ajuda viciados em jogos de azar, recebe cartas e e-mails de pessoas de todo o país em busca de ajuda para viciados em jogos de computador. "O jogo de computador é diferente do jogo de azar porque não envolve aposta. A procura por esse tratamento está aumentando e vamos montar em breve um grupo de apoio", diz Ubiraci Rezende, diretor dos Jogadores Anônimos. Nos EUA, psicólogos atendem por e-mail viciados em jogos eletrônicos. Universidades como Harvard e Yale têm departamentos para o tratamento desses pacientes. Uma clínica na Holanda desenvolveu no ano passado uma dinâmica terapêutica em que os dependentes, além de meditar, saltam de pára-quedas e praticam atividades físicas.
O vício em jogos eletrônicos não é exclusividade das classes mais altas. A queda no preço e os longos financiamentos estão tornando o computador um aparelho quase tão comum nos lares quanto forno de microondas ou telefone. Quem não tem um em casa pode freqüentar por preços bem baixos uma lan house. Passar uma hora em frente do computador pode custar apenas R$ 1. Há casos de meninos de rua que gastam o dinheiro das esmolas em lan houses. Alan, Leonardo e Rafael, todos com 14 anos, ganham cerca de R$ 30 por dia tomando conta de carros. Gastam boa parte desse dinheiro nas lan houses da zona leste de São Paulo, onde chegam a ficar até 12 horas seguidas. Os jogos que eles mais gostam são o Counter Strike e o GTA, que simulam combates e roubos de carros.

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